sexta-feira, maio 07, 2010

A Freddie Mercury

De todos, o teu corpo é aquele que contém mais destinos. Claro, isso porque já conheço o teu, você que se consumiu. Estou enganado em pensar que tua humanidade foi só uma, entre muitas? Não, você foi só um na multidão de destinos inexpurgáveis - a forma de humano que você foi é aquela que conteve todos os futuros dentro de um peito que vibra, como todos nós, que somos o caminho de todos. Meus dedos também têm todos os peitos que vibram; o tato, quando escrevo, é o meu peito quando ele esquece de ser meu.
Teu futuro foi esse piscar na tela em que se tornou.

sábado, abril 24, 2010

O corpo em fumaça: marcha no tempo que esperdiçou. Aquele interlúdio não nos contou o segredo, o chão não nos tragou nem nos redimiu no frio insensível da terra.

O que perdemos, no dia de se perder? Nada, a Anchieta não tem placas a indicá-la - a estrada e o corrê-la tem uns destinos espalhados no chão.

sexta-feira, março 19, 2010

Aquela vida, que prometia uma liberdade que se perdeu. Foi outro, aquele mundo que se evapora e vira tédio. O melhor do que fui dissipou-se com o que busquei.

O norte que buscava foi para o lado errado e me devolveu o desprezo.

segunda-feira, março 15, 2010

E se a vida não fosse mais do que um instante - se não conhecêssemos os dias que se arrastam no hábito, a permanência deste sol? Se, neste instante, conhecêssemos apenas uma paisagem, uma lua, um vento batendo em nossos rostos ou um calor queimando nossa pele, seria esse instante feito de êxtase, ou de dor por tudo o que perdemos sem nunca termos podido chamar de nosso?

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Diálogo à beira do mar mais bonito

Os amantes


Escutas a vida que opera no mar?
Os peixes que vivem no caldo da vida?
Veja, que o mar pulsa,
O êxtase, o milagre
A carne lisa que há
Nestas brocas
Que furam
A água.

Não, só vejo
A morte que me olha -
A vida tem este gosto pálido
Teu corpo de viço
Não experimenta
O sabor que o mundo não tem
De singrar este mar
temos pena.
Olha: uma capa de plástico
cobre esta água e este luto.
Mas cortá-la é preciso
e cortamos:
Um mundo de areia e preguiça nos espreita.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Mon âme est lucide quand il n'y a que tes yeux qui me regardent. Mais la lumière ne se communique pas: je contemple le silence lorsque la poésie passe et je la vois passer.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Tenho o coração cerrado em pinças - é a solidão inteira em que habito. Sempre soube que teu olhar não basta.
As nuvens se chocavam no céu, anunciando aquele suave pesadelo - o ar corre diferente nos pulmões, a natureza, inútil, é rebeldia contra o edifício que arranha o ar. Água corre na sarjeta, e nada muda: que mundo é esse, em que a água não limpa a parte de dentro do intestino?
Fragmento de outro texto, melhor do que esse:
"É a chuva que cai sobre nós, o rádio grita seus números e percebo – estou preso numa fila de carros sem esperança de libertar-me. No frio corte daqueles ombros que atravessaram o asfalto, lembrei-me de você, a pegar seus tênis no quarto. O sentido dessa lembrança escapa-me inteiramente, sou só um peito que transborda entre faróis inúteis. Poderia te perguntar: o que sentiu quando olhava aquele quadro, onde esteve quando eu vivia a planta, preso no concreto? O raspar do motor me responde com um grunhido – seriam meus dedos a triturar-se debaixo do capô desse carro? Não, pois meus dedos estavam firmes sobre o volante, e você nunca saberá que nessa rua tem uma verdade que vai sumir quando se anunciar o movimento. Nunca saberei a verdade (se é que houve alguma) dos teus sapatos no armário. Mas parece-me que nunca soube de outra certeza além do estar aqui, preso no trânsito, e do desejar não estar sozinho nessa tarde fria. Tarde de primavera, não guardas nenhum segredo que eu já não conheça – teus milagres encantam-me, mas não fazem o chão sumir dos meus pés."