sexta-feira, abril 24, 2009

Aproximam-se, o vaso e a flor e o caderno de notas. Eles também não sabem quem é, você que sofre com o desprezo das coisas. Você que não ama a morte, ela está em suas coxas. Ela pega sua pele, suor de amor quando acaba. E acaba. Você deita em uma cama de sonho e escreve - as estrelas, os mundos, você escreve a permanência. As leis imutáveis, acredite, elas mudam: elas morrem sem traço visível no corpo.

O pulso, sem memória no pulsar, nos convida no banquete limitado do agora.

sábado, abril 18, 2009

Ideia para uma narração: um personagem sai para vida apenas para perceber o desgaste e o abismo que existe entre os seres. Nesse momento, o momento de revelação, ele percebe que não há relação que não seja baseada no desacerto, na incomunicabilidade. Desacerto por desacerto, ele prefere o da literatura, menos doloroso, de angústia equivalente.
(nota: texto já escrito, e sempre. achar outro tema)

segunda-feira, abril 13, 2009

outro:

O olhar se concentra e se dispersa no ponto vasto e pequeno que ela ocupa. O volume reduzido dos limites que ela impõe entre o corpo e o vazio tem ares de uma contradição em exercício. Estar com a vista presa entre essas linhas ressignifica as suas dimensões: curvas, orifícios, cores e maciez se expandem até preencher todo o espaço conhecido e todo o espaço pressuposto. Mas é nesse limite, nessa fronteira ontológica do risco da pele no ar que é preciso encontrar a clara razão das coisas – no vácuo entre o ser e o não, na tragicidade das curvas de dois ombros bem claros, no rosto ligeiramente oval, na delicadeza do lóbulo da orelha, na consistência inorgânica de um fio de cabelo; é no lirismo da transparência finalista de uma unha, e nas suas pontas irregulares talhadas ao gosto de dois dentes, é, enfim, na superficialidade de um corpo profundo e intransigente que a vista perece e enterra. O olhar, em negativo, procura traços no espaço e vácuo na consistência, a presença no vazio e o vazio na presença. O que é a distância, quando ela a percorre? O espaço, quando ela o preenche? O que é o ar, quando ela o respira? Perguntar é perder: seria preciso a faculdade da separação concreta do sólido para que se entendesse o elo único que é tecido entre um ser e seu entorno. Aplicar-se nessa ciência hermética, na enigmática composição latitudinal do seu rosto. Encerrar é preciso: já se pode sentir o peso dos olhos alheios a policiar o exame que você executa.
Um gostinho do meu conto:


O ponteiro do relógio que anda tem o ritmo das batidas do coração e do latejar do pulso. Cada tremor e cada pelo que se arrepia importam nessa vida, que, dizem, é curta demais. Mas a realidade mostra que ela tem a longura do impossível e o tamanho do tédio e do presente. E as distrações, os passatempos, instrumentos de trabalho nessa estranha acumulação de presente que está na proporção inversa dos segundos que se perde acabam por cimentar o irreversível muro sem frestas do agora.