domingo, março 29, 2009

As peças em branco desse quebra-cabeça não se encaixam, só embaralham na mesa a clara mente que as percebe, e que aceita com alegria as condições desse painel que não se revelará. É assim que eu me sento, bela, e te olho com a satisfação de quem aceitou, por um instante, a miragem de quem vê dois pedaços se juntarem, celebrando a união do nexo perfeito, mas parcial. O fracasso de colocá-los juntos não mancha, minha linda, o gozo inicial: quem pode afirmar que a invenção do nexo, a criação do nexo, que sua junção na mente inaugural é menos que a baixeza da matéria posta em fricção?
Pois entenda, minha cara, que em minha mente confusa, ler é sempre melhor que conhecer.

sexta-feira, março 20, 2009

A vontade de uma violência final, a vontade do silêncio. Vejam esse mar, vejam essas ondas: nelas está a melodia dos afogados - a vontade do rasgo final, a vontade da perna sem tronco. Coloquem o ouvido na concha, e escutem o murmúrio da agonia, do fracasso. Mergulhem embaixo das espumas, e verão que as bases que a sustentam são feitas de sal na ferida. Toquem a água fria, e a frieza será osso, e coluna: a cervical do marco zero está no silêncio.

sábado, março 14, 2009

A ponta da lança, que é o silêncio, não perfura, na verdade: ela, usada como instrumento de choque, na lateral de seu aço fere na frieza instigante do vazio. E nesse golpe, que resvala, percebemos o que é perder: sentir falta da ferida infinitamente mais pungente da carne que toca a minha.

quarta-feira, março 11, 2009

Tudo, a partir daquela boca, recebia ares de absurdo injustificável. Era capaz de transformar uma flor, um fio, uma palavra no ar em pecado sem remissão. Olhar para dentro desse corpo, e imaginar o que se passa em sua mente proibitiva, nesse peito movido a nós de corrente.
Os outros não se resumem a um emaranhado de textos a se cruzar ao infinito. Desses fios, alguns se escondem, outros se mostram, cada um negando o outro. O de dentro, o que cobre, ele palpita, esse está sempre à mostra, para qualquer um que quiser ver. Mas vê-lo requer proficiência na língua dos outros - ciência arcana, nexo indevassável.

quinta-feira, março 05, 2009

O lado da vida que tende para o nada - não há nada que não se possa perder, em definitivo. Não se pensa, aqui, naquelas (vocês as conhecem) que se mantêm nas veias, nos retratos que deixamos na sala, para que não esqueçamos. Deixem de lado essas perdas falsas, esses brinquedos de perda, simulacros de perda, o golem da presença na perda. Pensem naquela perda, aquela que você deixou. Não o seu pai, ou irmão, ou amor morto, mas aquele sorriso que tinha seu pai, ou irmão, ou amor morto, e que, essencial, de perdido que está, já não nos lembramos de esquecer. Pois o retrato, o bilhete, pois o pedaço de pano com que vocês dormem todas as noites e traz a ilusão da ausência dessa perda, eles são as pinturas ruins que copiam, fielmente, o acessório e o ilusório daquilo que se perdeu. O lado da vida que tende para o nada é a cor, a inflexão do lábio que têm quando estão surpresos, o ângulo bizarro que assumem os dedos nas palmas abertas, ou seja, o que não ficou gravado em uma rocha que se descubra.