quarta-feira, janeiro 28, 2009

Não conheço teu rosto. Por não conhecê-lo, arranho e esfolo. Mas volto, pois é no retorno que conhecemos o pior de nós. Estar de volta, e arranhar. Estar de volta, e fugir da morte. Estar de volta, e ver as rugas crescerem no mesmo. Poderemos estar de volta, sempre, sempre sob o mesmo arco-íris? Mas vê: as cores apodrecem tão rápido quanto nossos rostos. Fujamos sob a terra, e esqueçamos.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Estar sozinho, e ter um coração.
Esse coração, que bate em direções várias:
estar sozinho, e decidir que o coração vaza em direções sem
[rumo.

Estar sozinho, e dispersar:
o coração foge e se rebela.
Na saúde, estar sozinho.

E seremos sozinhos, todos juntos,
Exército de solidões sem foco,
unirmo-nos no espaço que nos separa
e sermos,
sozinhos,
a frente que combate as pedras,
que nega o ar e que não acata
esse céu, esse mar.
O coração nos faz voltar: bato sempre no mesmo ritmo. Mas é precio fugir- fujamos da autenticidade das coisas.

O gosto do passo e do destino se embaralha no conhecido. Não deixe de ser falso.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Mas... voltemos. Os pés presos a este chão. A mão sente as saliências do solo, já conhece o ângulo das pedras e a posição dos vermes.

A morte espreita nas antenas daquela joaninha: esmagá-la, e negar o gesto bruto de seu sangue.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Mas gritos sempre caem em ouvidos surdos: anda, salva-te no silêncio.

domingo, janeiro 18, 2009

Não pergunte, Paulo, se as paredes esquecem:

só você tem o fardo da memória.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Os mortos são personagem que recriamos no passo do esquecimento.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

O retângulo

Fincado na terra, eu olho: tua lápide te descreve em duas datas. No intervalo, os pontos do granito nos contam uma história secreta. Tentar ouvi-la, e desistir - nossos segundos se perdem e se esquecem sem remédio.

Um gato passa, e se reúne à tarde. Não deixe de ficar calado.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Ver o ônibus
que passa
é celebrar sua morte.

Levar o garfo
à boca
é celebrá-la.

Retirar
do seu cabo
um jasmim
cheirá-lo,
e jogá-lo,
é celebrá-la.

Pensar que
a angústia
das noites
vai
durar
sempre
é celebrá-la.

Deixar
no sofá
em que dormia
a mancha de macarrão,
pai,
não é esquecer-te,

é celebrar-te.

domingo, janeiro 11, 2009

A António

Como olhar para trás,
Ver placas que nunca existiram?
Ah, não ficas bem, meu velho,
Não ficas bem em memória.

Que poderes fatais, que sinergia,
Sofrestes em teus neurônios de gigante?
Teves a genial ideia de
Ser vento, soltar-te num pulso orgíaco
Ser o supremo orgasmo da velocidade.

Mas rio-me, meu pequeno, rio-me,
Talvez não saibas que nunca suportei
(com certeza não sabes disso, não é?)
Ser mais do que sou.

Sou um homem qualquer, amigo,
Ah, sou um homem amigo da rocha,
Sou aquele que envelhece e morre,
Sou aquele que não tem orgasmos,
Sou aquele que trabalha e chega em casa
E reclama das costas e quer a janta pronta.

Como poderei encarar a morte, velho amigo
Sabendo que precipitas-te lindamente
Que abraçaste a dor,
Que odiaste todo o universo em dois segundos?

Eu fumo. Fumo porque sei que só posso morrer um maço de cada vez.
Minha mãe ralha comigo. Deixe-a ralhar. Morri no vício.
Tive de aprender a viver com a morte, encontrei-a
Na ponta do alvíssimo cigarro em brasas.
Deixei ele no chão, a queimar-se
Olhei ele queimar como se come uma barra
Do melhor chocolate que há.

Mas sei que não fumavas. Ah, meu amigo que sabe,
A memória é um suéter que ficou pequeno.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Estar a uma tela de distância:
pelo ar, não correm as ondas
a pousar nesse bolso,
a qualquer dia,
a qualquer hora,
em qualquer lugar.

Mas eu as mando,
as ondas -
- minha voz,
ou gélida ou fatal,
ou bela,
indiferente, ou anônima,

me confirma
em ouvido
estrangeiro.