segunda-feira, dezembro 14, 2009

Viver é sentir sempre o coração despertar para uma realidade absoluta, e me jogar nela é perder o rumo e perder-se, perder a vida que palpita em meu peito pela frieza do mármore. É sempre a morte que me espreita - a dor de perder-se nos olhos do outro, a chama na boca quando recebo um golpe no meu rosto já tão cansado. Que peito é esse, que nao sabe gozar - só conheço o não na sua voz.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Dezembro, era dia frio. Levantamos os narizes, o céu abateu o sol. Guarda-chuvas pretos eram as flores de uma cidade de ferro. Desastre habitual: as nuves ameaçavam o caos sobre cabeças paulistanas. A chuva de confetes verdes - houve mortes, prejuízos. Vozes contra o prefeito: sessenta por cento do total previsto para o mês, obras, números, prefeitura trabalhando.
Nesse dia, peguei um confete do chão - nele estava escrito um nome que só eu conheci.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Havana, o plano abstrato de tuas ruas queimou-se no meu peito - sou hoje surdo ao apelo de outros lugares. É possível amar uma cidade como quem ama uma mulher? Só a distância cimenta o desejo de tuas roupas na varanda, do teu solo de terra (bolas de gude) que sentiram o áspero de meus pés. Vivi no exílio de uma cidade que não era a minha - exílio e saudade de uma cidade que eu pressenti, sem saber qual era. Havana, encarnaste-te ao meu redor sem me deixar o tempo de perguntar - és real, minha cidade? Pois soube que eras minha no momento em que te afastaste e esqueceste o peso de meus dedos sobre teu asfalto.
E aquele corpo diminuto transformou-se em arauto de toda a negritude por trás dele. A sua realidade é virtual, é virtual sua presença sorridente - o negro é a vida que não aconteceu.

sábado, novembro 14, 2009

A força tende para a morte, a minha mão pinica enquanto a vejo ser roída pelos vermes. Você, e o fim. Chaque personne est bien seule. Toi, qui crois à la mort, toi aussi, tu habites cette terre sans racines. Moi, j'habiterai toujours la solitude de cette fosse commune, le froid du béton me rend doucement fou.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Só o escuro da dor é familiar nesse meu lar em exílio.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Mais um dia, desses que nenhuma dor aclara. A carcaça de um carro, seu metal retorcido no sol de uma rua sem sombras. Tenho um peito que implode.
Mais um dia, desses que nenhuma dor aclara. Sou uma engrenagem sem óleo, sou o ranger de cordas de metal, sou o martelo que tomba sobre mim.
Mais um dia, não há brilho que valha essa dor.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Você é o que roda num furacão - esse centro, esse centro, esse centro, esse centro está no teu nariz, estende teus dedos e toca! Mas o triste de estar num furacão que roda roda roda é que você fecha os olhos na vertigem do movimento e olha para um céu vazio. O céu é vazio porque você olha para cima e só vê seus dedos apontando para o céu e dizendo "olha, lá está o céu na minha unha!". Você acha que pode ver o céu? Você acha que pode ver o chão? Você só pode ver o avesso das tuas pálpebras, e há anos os médicos decretaram um estranho problema nos teus músculos que te impede de levantar esse véu que faz com que você só veja miséria. A miséria, miséria, a miséria, teu corpo é um balde de miséria.
Você tem olhos marrons cheios de uma vida que ninguém descobriu. Você tem voz e tem voz que é só sua. Teu coração bate, e como! Você tem corpo, tem seios, tem pernas, tem dedos no pé, tem lábios, e eles chamam o chão, eles amam a terra, o doce puro da terra, não os negue! Não os negue! Não, você não merece a si mesma, teus olhos e tua voz, e teu coração, teu coração e teu coração estão rodando e não vão parar de rodar. Tuas pupilas rolam no enjoo da vertigem.

sábado, outubro 03, 2009

Quando vem o tiroteio, há aqueles que se abaixam. E também, há os outros, aqueles que andam na rua e não percebem as balas que voam.

Sem querer, alguém explodiu uma granada e morreram todos.

quarta-feira, setembro 23, 2009

A hora do intervalo é a que dura: só o eterno explica o peso que há no peito do corpo que acordou e viu que já era tarde. Percebe que todos os ônibus passaram - a firma já fechou e o escritório já conta as perdas. As pessoas se recolheram - a novela das oito acabou e os olhos abertos não dão Ibope. Dois namorados se encontram cansados na hora indigente que roubaram para o amor. Nos olhos dela o corpo percebe a rejeição e o fim que se anuncia no entretempo.
É manhã, mas eu não respiro o odor do começo - a trilha de sangue que seguem todos. É manhã, o sol não nasceu, só os autômatos levam nossos nomes em seus corpos de poeira. Ontem anunciaram a primavera, mas hoje a chuva anunciou céus pesados e é o chumbo que chove nas gramas.
De novo, constato? Nenhuma flor nasceu na rua. Um sabiá range sobre uma folha de palmeira. O verde tem a cor do alumínio. Não, poeta, você não acordou - não acorde que o tempo é de dormitar. Antes dormir para sempre do que acordar nessa terra de aço: acordar é perder o bonde do que se desperta.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Você se sentava no sofá, e tua presença era tão certa quanto o azul. Mas o sofá está ainda na sala, e você já não tem mais aquela fala incisiva - você já não tem mais nada, pai, e as falas que te destino caem em ouvidos mortos. Mas não tenhamos remorsos: as pessoas têm menos ouvidos do que as paredes contra qual esmurramos nossas cabeças.
Suponha, pai, que a vontade de dizer te anime a ponto que você rompa seu caixão e tenha vontade de gritar.
Não grite.

domingo, setembro 13, 2009

May I have another slice, please?
O corpo se joga e abraça a queda - abraçá-la é pedir para que o segurem e lhe digam que está tudo bem. Se o corpo é acolhido ou se o corpo se espatifa no chão, tanto faz - a miséria está no ato de jogar-se quererendo mais do que o solo que nos arranha.

Ninguém pode jamais querer esse solo que arranha.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Sem terra,

sem labor,

sem a feiura toda desse mundo,

não haveria talvez essa minha saudade.


Você,

minha linda,

água limpa de um ribeirão,

você seria mais riacho

e mais cristal,

e mais grama onde sentar-me e sonhar sonhos bons.


Durmo, e acordo num susto

você estaria lá,

e não partida para um dia de carvão.


Meu coração,

negro,

seria mais negro

ou mais claro,

ou mais forte,

talvez

é certo que seria mais.


Não houvesse essa terra, o labor,

a feiura

mas há, e você ainda é rio

e ainda corre

cristalina.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Ele cresce com a sombra paterna que engole a vida - quando eu já estava em paz e escrevia, nasce essa carne externa que me nega e me impede de ser. Não é mestre quem se impõe e me prende - o carrasco de mim me é alheio.

terça-feira, agosto 18, 2009

Quand le soleil brille, ses rayons sont sur ma tête; d'ailleurs, je ne suis pas comme ceux qui aiment. Le temps orageux ne rend pas le désir de la mort moins amer: l'acide sur mes mains et l'amour qui menace font ses formes sur la peau. L'eau fait un empire sous son sang. Non, il pousse et le soleil qui brille est perçant. Le désir nourrit, mange et crache le néant: les riens qui nous remplissent coulent et nous laissent creux sur les murs.

quinta-feira, agosto 13, 2009

Debaixo dos pés, o asfalto. Sentir o seu gosto é provar as pedras cintilantes que nele se misturam. O gosto de sal da língua que se corta no mineral - o sangue tem gosto de mineral. Prédios cobrem o céu e são mais espessos que as nuvens. Nenhuma flor nasceu na rua - o tumor de carne na calçada cresce e engole o ar.

sexta-feira, julho 03, 2009

Círculos concêntricos, e espiral - gotas de água pelo céu em formas exatas. Tuas nuvens, então: tua pulsão de comê-las é estar sob seu jugo, sua frieza. Não, não as ama, pois que as pedras também talharam teus joelhos. O gosto e o gozo está nelas, no minério e chão. O solo da vida sussurra mensagens em tua orelha. Seu sopro te arrepia, teus pelos se levantam, e volúpia: quer ser desejo, ou o objeto que o desejo tem. Carne e carne que nasce da carne, quer o tempo do sol sem tiques de relógio, ou da lua, e dançar - quer o tempo que o tempo tem. O sangue não tem fala geômetra.

segunda-feira, junho 22, 2009

A morte não leva propriamente os seres de nós; ela leva a sua memória. É a lenta morte da memória dos meus mortos que me acaba: são fantasmas a se arrastar na mente sem carne.

sexta-feira, junho 12, 2009

Um rascunho
A cidade tem maneiras estranhas de se enfeitar. Não é difícil encontrar espantos novos, enfeite em detalhes que surgem de uma zona de normalidade e se transformam em pasmo. É andar pela rua onde ela agora desfila com cadarços em pérola, olhos de carvão frio e o rastro de estar sozinho. Mas, coração teimoso, também dessa ferida eu cicatrizo: é fácil amar o corte e não desejar que olhos virem em verde doçura. Convenço-me na beleza que a indiferença tem: a pedra é mais doce que uma jujuba. Assim, o lado esquerdo da Marginal deixa de incomodar - da sua terra crescem cães mortos, diversa flora

quarta-feira, junho 03, 2009

É hora de se perguntar se há causa para a chuva. É hora de se perguntar se há causa para a tristeza, para a vontade de morrer. Para o não lugar, o não ser, para o não pertencer, não amar. De cima para baixo, a catástrofe - perder o rumo, perder o chão. Em segundos, as engrengens que cuidadosamente você alisou, montou e engraxou se transformam em sucata pela força demolidora do não. E o coração grita, sem resposta possível: "Não seja!". Força é obedecer. A velocidade daquele carro convida a um atropelamento, a altura daquele prédio pede um salto e um espatifar-se no chão.

sexta-feira, maio 29, 2009

Si les oiseaux chantent,
leurs traces dans le ciel
et le ciel sur ta tête,
ne chante pas.

Si les fleurs fleurissent,
le rose qui t'adresse
et t'invite à sourire,
ne pousse pas.

Si tout vie et tout aime
- le soleil que ta peau a ceuilli,
s'il t'embrasse,
surtout
n'aime pas.

sábado, maio 23, 2009

Veja, minha cara, a força e a beleza que o desespero tem. É com ele que o mundo se muda e se faz belo, não há inteligência sem o não. Há, claro, a esperança, o gozo, há o extase das coisas belas. Mas se sentir mal, amiga, é direito e dever. A negatividade não se combate, não se alivia, ela se sente, experimentamos toda a força do inconformismo. Tenho raiva, e muita. Essa raiva, esse rancor profundo das coisas não vai embora. Reprimida, essa criança volta com força e não resisto - só ama quem odeia. Só acredita que não há lugar para a dor quem fecha os olhos e acha que tudo vai bem.

segunda-feira, maio 18, 2009

Não sabia,
o meu pai,
(os olhos cinzas).

No círculo,
jogaste as pedras cinzas
o gude
levou
teus olhos,
meu pai,
não sejas saco de tripas.

Pai, tem uma luz
pai,
ser daltônico,
não me ensinaste a correr.

Pai, hoje,
quero fugir
como a poesia
foge,
quero morrer,
como o amor
morre,
quero doer,
como for,
dói.

Pai,
escrever
teus ouvidos
mortos.
Pai, teus olhos,
pai,
mortos,
a quem digo?
pai!
não
bem sei que não ouves...

domingo, maio 17, 2009

fragilidade é sabedoria
A vida é uma pedra que se preenche com escrituras tão marcantes quanto riscos na areia. O tempo que passa pequeno nos faz perder as mãos: vemos essa pedra que continua lisa - quase admiramos a beleza do nada. Passemos, incólumes, pela vida - a experiência é uma indelével acumulação de vazio.

sexta-feira, maio 15, 2009

Ces jours-là, on a envie de danser. Danser, ces jours-là, on a envie de danser. Ces jours, que dis-je? sont les jours où on dort, je dors. Et dormons, parce que, ces jours, ils finissent - on attend la fin puisque tu sais et tu dors. Ces jours-là, surtout, ne danse pas, puisqu'ils t'invitent, toi, à danser. Ces jours-là, tu comprends?, finissent si tu dors, donc, tu dors, la fuite te berce et te prépare à la fin.

sexta-feira, maio 01, 2009

A lâmina racha o sangue - como não morrer? O que corre em minhas veias é amor: o seu peso, sua sina. Latejar é gostar sem trégua, sem escolha no gostar: o movimento é uma sucessão de posições que ela nunca mais ocupará. Essas posições, eu as amo, e cada uma é um litro de tempo em que morre o meu corpo.
a
Coração teimoso, você não sabe o que é limite - ama-as todas, e desdenha a precaução: convida e recusa a noite, incerto que está entre o êxtase e a ferida.

sexta-feira, abril 24, 2009

Aproximam-se, o vaso e a flor e o caderno de notas. Eles também não sabem quem é, você que sofre com o desprezo das coisas. Você que não ama a morte, ela está em suas coxas. Ela pega sua pele, suor de amor quando acaba. E acaba. Você deita em uma cama de sonho e escreve - as estrelas, os mundos, você escreve a permanência. As leis imutáveis, acredite, elas mudam: elas morrem sem traço visível no corpo.

O pulso, sem memória no pulsar, nos convida no banquete limitado do agora.

sábado, abril 18, 2009

Ideia para uma narração: um personagem sai para vida apenas para perceber o desgaste e o abismo que existe entre os seres. Nesse momento, o momento de revelação, ele percebe que não há relação que não seja baseada no desacerto, na incomunicabilidade. Desacerto por desacerto, ele prefere o da literatura, menos doloroso, de angústia equivalente.
(nota: texto já escrito, e sempre. achar outro tema)

segunda-feira, abril 13, 2009

outro:

O olhar se concentra e se dispersa no ponto vasto e pequeno que ela ocupa. O volume reduzido dos limites que ela impõe entre o corpo e o vazio tem ares de uma contradição em exercício. Estar com a vista presa entre essas linhas ressignifica as suas dimensões: curvas, orifícios, cores e maciez se expandem até preencher todo o espaço conhecido e todo o espaço pressuposto. Mas é nesse limite, nessa fronteira ontológica do risco da pele no ar que é preciso encontrar a clara razão das coisas – no vácuo entre o ser e o não, na tragicidade das curvas de dois ombros bem claros, no rosto ligeiramente oval, na delicadeza do lóbulo da orelha, na consistência inorgânica de um fio de cabelo; é no lirismo da transparência finalista de uma unha, e nas suas pontas irregulares talhadas ao gosto de dois dentes, é, enfim, na superficialidade de um corpo profundo e intransigente que a vista perece e enterra. O olhar, em negativo, procura traços no espaço e vácuo na consistência, a presença no vazio e o vazio na presença. O que é a distância, quando ela a percorre? O espaço, quando ela o preenche? O que é o ar, quando ela o respira? Perguntar é perder: seria preciso a faculdade da separação concreta do sólido para que se entendesse o elo único que é tecido entre um ser e seu entorno. Aplicar-se nessa ciência hermética, na enigmática composição latitudinal do seu rosto. Encerrar é preciso: já se pode sentir o peso dos olhos alheios a policiar o exame que você executa.
Um gostinho do meu conto:


O ponteiro do relógio que anda tem o ritmo das batidas do coração e do latejar do pulso. Cada tremor e cada pelo que se arrepia importam nessa vida, que, dizem, é curta demais. Mas a realidade mostra que ela tem a longura do impossível e o tamanho do tédio e do presente. E as distrações, os passatempos, instrumentos de trabalho nessa estranha acumulação de presente que está na proporção inversa dos segundos que se perde acabam por cimentar o irreversível muro sem frestas do agora.

domingo, março 29, 2009

As peças em branco desse quebra-cabeça não se encaixam, só embaralham na mesa a clara mente que as percebe, e que aceita com alegria as condições desse painel que não se revelará. É assim que eu me sento, bela, e te olho com a satisfação de quem aceitou, por um instante, a miragem de quem vê dois pedaços se juntarem, celebrando a união do nexo perfeito, mas parcial. O fracasso de colocá-los juntos não mancha, minha linda, o gozo inicial: quem pode afirmar que a invenção do nexo, a criação do nexo, que sua junção na mente inaugural é menos que a baixeza da matéria posta em fricção?
Pois entenda, minha cara, que em minha mente confusa, ler é sempre melhor que conhecer.

sexta-feira, março 20, 2009

A vontade de uma violência final, a vontade do silêncio. Vejam esse mar, vejam essas ondas: nelas está a melodia dos afogados - a vontade do rasgo final, a vontade da perna sem tronco. Coloquem o ouvido na concha, e escutem o murmúrio da agonia, do fracasso. Mergulhem embaixo das espumas, e verão que as bases que a sustentam são feitas de sal na ferida. Toquem a água fria, e a frieza será osso, e coluna: a cervical do marco zero está no silêncio.

sábado, março 14, 2009

A ponta da lança, que é o silêncio, não perfura, na verdade: ela, usada como instrumento de choque, na lateral de seu aço fere na frieza instigante do vazio. E nesse golpe, que resvala, percebemos o que é perder: sentir falta da ferida infinitamente mais pungente da carne que toca a minha.

quarta-feira, março 11, 2009

Tudo, a partir daquela boca, recebia ares de absurdo injustificável. Era capaz de transformar uma flor, um fio, uma palavra no ar em pecado sem remissão. Olhar para dentro desse corpo, e imaginar o que se passa em sua mente proibitiva, nesse peito movido a nós de corrente.
Os outros não se resumem a um emaranhado de textos a se cruzar ao infinito. Desses fios, alguns se escondem, outros se mostram, cada um negando o outro. O de dentro, o que cobre, ele palpita, esse está sempre à mostra, para qualquer um que quiser ver. Mas vê-lo requer proficiência na língua dos outros - ciência arcana, nexo indevassável.

quinta-feira, março 05, 2009

O lado da vida que tende para o nada - não há nada que não se possa perder, em definitivo. Não se pensa, aqui, naquelas (vocês as conhecem) que se mantêm nas veias, nos retratos que deixamos na sala, para que não esqueçamos. Deixem de lado essas perdas falsas, esses brinquedos de perda, simulacros de perda, o golem da presença na perda. Pensem naquela perda, aquela que você deixou. Não o seu pai, ou irmão, ou amor morto, mas aquele sorriso que tinha seu pai, ou irmão, ou amor morto, e que, essencial, de perdido que está, já não nos lembramos de esquecer. Pois o retrato, o bilhete, pois o pedaço de pano com que vocês dormem todas as noites e traz a ilusão da ausência dessa perda, eles são as pinturas ruins que copiam, fielmente, o acessório e o ilusório daquilo que se perdeu. O lado da vida que tende para o nada é a cor, a inflexão do lábio que têm quando estão surpresos, o ângulo bizarro que assumem os dedos nas palmas abertas, ou seja, o que não ficou gravado em uma rocha que se descubra.

sábado, fevereiro 21, 2009

Escrever é apreender a sintaxe do ódio.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Viver é criar novos espaços de angústia que se deslocam. Certos pontos ganham em hierarquia e agudeza na organização dos metros - aquele telefone que não toca, as sílabas agudas de um nome na tela, e o abismo sobre o qual nada se conhece. O fetiche de um nome, de um lugar, e a lembrança de certos olhos naquele bar. Mas, apesar dessa atenção contínua, é em outro lugar, outro aparelho, outra hora, é em outro ouvido que ela contacta e diz bom-dia. E o impossível potencializa-se na abertura sempre nova de outros caminhos de ardência.
Mas nem o infinito basta. Logo, outros olhos, e outra pele, e uma outra voz, quando você já se julgava no limite do corpo e do sangue vêm se alojar nas artérias acelerando o ritmo da ruptura. O coração é fiel a todas as dores que já se teve, e, industrioso, alimenta o espaço sem piedade do desejo.
Estar sozinho, e ter um coração.
Esse coração, que bate em direções várias:
estar sozinho, e decidir que o coração vaza em direções sem
[rumo.

Estar sozinho, e dispersar:
o coração foge e se rebela.
Na saúde, estar sozinho.

Estar sozinho, e criar
espaços de angústia sempre novos
estar sozinho, e desconhecer.

Estar sozinho, e desconhecer
o poço familiar do escuro nos outros.
O perigo, é a tristeza
sempre presente do espaço que nos une.

Estar sozinho, é a forma,
estranha fronteira do ser
e as linhas, que delimitam
o vácuo e o nada e o movimento.

Estar sozinho, com dois pés no chão
Estar sozinho, e ser político.
Estar sozinho, e ser poeta
Estar sozinho, e ser amigo
Estar sozinho, ser canalha e sujo e ser triste em lamaçal

E seremos sozinhos, todos juntos,
Exército de solidões sem foco,
unirmo-nos no espaço que nos separa
e sermos,
sozinhos,
a frente
que combate,
sem vencer
mas combate

domingo, fevereiro 08, 2009

angústia - o coração te bate, inútil.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Cabra-cega

Com tijolos de silêncio, construir a distância. O seu instrumento, pequena, é violão e pá de cimento, pois só você sabe esquentar enquanto congela. Brincar no escuro, mignonne, não é coisa que se faça: tropeço em móveis que sempre estiveram lá.

O corpo me serve de manual - no espaço que existe entre os pontos de uma reticência narra-se uma história de labirinto. Uma pinta me faz seguir em frente. Vou, e me perco

não deixo de tatear pelo liso de teu sorriso.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Não conheço teu rosto. Por não conhecê-lo, arranho e esfolo. Mas volto, pois é no retorno que conhecemos o pior de nós. Estar de volta, e arranhar. Estar de volta, e fugir da morte. Estar de volta, e ver as rugas crescerem no mesmo. Poderemos estar de volta, sempre, sempre sob o mesmo arco-íris? Mas vê: as cores apodrecem tão rápido quanto nossos rostos. Fujamos sob a terra, e esqueçamos.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Estar sozinho, e ter um coração.
Esse coração, que bate em direções várias:
estar sozinho, e decidir que o coração vaza em direções sem
[rumo.

Estar sozinho, e dispersar:
o coração foge e se rebela.
Na saúde, estar sozinho.

E seremos sozinhos, todos juntos,
Exército de solidões sem foco,
unirmo-nos no espaço que nos separa
e sermos,
sozinhos,
a frente que combate as pedras,
que nega o ar e que não acata
esse céu, esse mar.
O coração nos faz voltar: bato sempre no mesmo ritmo. Mas é precio fugir- fujamos da autenticidade das coisas.

O gosto do passo e do destino se embaralha no conhecido. Não deixe de ser falso.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Mas... voltemos. Os pés presos a este chão. A mão sente as saliências do solo, já conhece o ângulo das pedras e a posição dos vermes.

A morte espreita nas antenas daquela joaninha: esmagá-la, e negar o gesto bruto de seu sangue.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Mas gritos sempre caem em ouvidos surdos: anda, salva-te no silêncio.

domingo, janeiro 18, 2009

Não pergunte, Paulo, se as paredes esquecem:

só você tem o fardo da memória.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Os mortos são personagem que recriamos no passo do esquecimento.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

O retângulo

Fincado na terra, eu olho: tua lápide te descreve em duas datas. No intervalo, os pontos do granito nos contam uma história secreta. Tentar ouvi-la, e desistir - nossos segundos se perdem e se esquecem sem remédio.

Um gato passa, e se reúne à tarde. Não deixe de ficar calado.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Ver o ônibus
que passa
é celebrar sua morte.

Levar o garfo
à boca
é celebrá-la.

Retirar
do seu cabo
um jasmim
cheirá-lo,
e jogá-lo,
é celebrá-la.

Pensar que
a angústia
das noites
vai
durar
sempre
é celebrá-la.

Deixar
no sofá
em que dormia
a mancha de macarrão,
pai,
não é esquecer-te,

é celebrar-te.

domingo, janeiro 11, 2009

A António

Como olhar para trás,
Ver placas que nunca existiram?
Ah, não ficas bem, meu velho,
Não ficas bem em memória.

Que poderes fatais, que sinergia,
Sofrestes em teus neurônios de gigante?
Teves a genial ideia de
Ser vento, soltar-te num pulso orgíaco
Ser o supremo orgasmo da velocidade.

Mas rio-me, meu pequeno, rio-me,
Talvez não saibas que nunca suportei
(com certeza não sabes disso, não é?)
Ser mais do que sou.

Sou um homem qualquer, amigo,
Ah, sou um homem amigo da rocha,
Sou aquele que envelhece e morre,
Sou aquele que não tem orgasmos,
Sou aquele que trabalha e chega em casa
E reclama das costas e quer a janta pronta.

Como poderei encarar a morte, velho amigo
Sabendo que precipitas-te lindamente
Que abraçaste a dor,
Que odiaste todo o universo em dois segundos?

Eu fumo. Fumo porque sei que só posso morrer um maço de cada vez.
Minha mãe ralha comigo. Deixe-a ralhar. Morri no vício.
Tive de aprender a viver com a morte, encontrei-a
Na ponta do alvíssimo cigarro em brasas.
Deixei ele no chão, a queimar-se
Olhei ele queimar como se come uma barra
Do melhor chocolate que há.

Mas sei que não fumavas. Ah, meu amigo que sabe,
A memória é um suéter que ficou pequeno.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Estar a uma tela de distância:
pelo ar, não correm as ondas
a pousar nesse bolso,
a qualquer dia,
a qualquer hora,
em qualquer lugar.

Mas eu as mando,
as ondas -
- minha voz,
ou gélida ou fatal,
ou bela,
indiferente, ou anônima,

me confirma
em ouvido
estrangeiro.