quinta-feira, dezembro 06, 2007

Os fios tinham um odor de início. Explico-me. Ela, que tinha cabelos do tamanho do sol, que flores faziam das cores o rosto, ela andava no nada. Suas decisões tinham o cheiro de uma vírgula. Era possível o seu cheiro, em forma de pedra? Mas a curva que, longa, ganha longitudes incertas, trança já o meu destino.
Que o corroa, a ela, que era
Muito mais que figura de mulher
Ela que miúda e quente
De cabelos jogados no sol.
Mas não a ela, que é perversa
Que faz do corpo morada
Que é morrinha e se espalha
No fofo das fibras e músculos.
E quem era homem ser peça
Quem era gente ser fossa
E quem era triste ser nada.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Um prédio retangular tinha vidros quadriláteros com cruzes cortando

As fachadas. Um homem

Que não estava no prédio e não sabia das cruzes

Que portam os sábios e não via, portanto, os sinais

Luminosos das faixas que cortam as avenidas

Na Rebouças com a Faria Lima,

Esse homem suspirou,

E a hipérbole do seu ar ventou

E o vento fugiu para essa esquina que ele contudo

Não conhecia e foi se alojar na revista.

Na banca, estava o banqueiro,

Uma sirene ecoava nas ruas cheias.

Acorde!

Mas a sirene passa depressa e vai soar em lugares

Nos quais não estamos. O vento imobiliza-se

E guarda-se nas folhas.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Nenhuma invasão, possível, é justificável. Eu tive dois dedos de qualquer coisa, e a estética daquela música não podia deixar de ser humana. Ah, mas a humanidade pode ser cruel naquilo mesmo que a faz diferente! O próprio do homem cria as condições para o amor, mas só o amor sublimado é inteiramente desejável.

Comecei a decidir, em meu carro, que a música, sendo amarga, não podia ser desagradável. Pois era preciso que fosse inteiramente humana, um corpo nu para que explodisse nos seus traços impossíveis, mesmo indesejáveis. E o corpo, como se sabe, nega, e toda a sua bela negritude, toda a sua pele que brilha na inteira perfeição do absoluto opaco é uma traição injustificável. Veja, por exemplo, ela, que atravessa a rua. Uma linha invisível separa-a do ambiente, e ela anda como se uma cama de veludo enrolasse os seus braços. Mas ela se nega a ignorar-me, e com um sorriso devolve os olhos que já não possuía. Ela, sendo perfeita, recusa-se a ser deusa.

Mas a música evolui para o seu segundo acorde.

domingo, setembro 23, 2007

Criaria um país em que ninguém pudesse copiar-se, multiplicar-se em pedra ou papel. Um homem não deve tocar a si mesmo. Façamos a seguinte experiência: suspenda-se em gravidade zero, com os braços espichados, careca por todo o corpo, olhos abertos, boca estendida. Sua língua, não conseguindo deixar de encostar os dentes, deve ser suprimida. Os membros, faça-os no grau máximo de tensão. Que a falta de resistência do espaço vazio o ajude a, com sua própria força, arrancá-los insensivelmente. Progressivamente, o homem estará no seu grau infinito de humanidade, sua consciência sendo azul como o céu no qual deixou de existir.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Não estive cego, depois de um ano.