sexta-feira, dezembro 22, 2006

Das minhas muitas manias, uma delas foi inútil. A sutileza de colecionar reside no fato que (esse é o segredo da felicidade) os objetos são um vazio que adquirem o sentido nulo na repetição exaustiva. Completar os espaços de um álbum era uma atividade inútil porque o que dirigia a vontade era o incólume do cheiro do novo. Claro, não se pode passar o tempo com perfume, e a corrupção progressiva o tornava desinteressante até que tudo era um hábito, rapidamente abandonado com um gosto de incompletude insuportável.
Olhei arrepiado para aquela figura, molhada em cola, em um sentido quase transversal a sua moldura. Sendo preciso ocupar-se com o nada, ocupa-se perfeitamente. Depois de tudo o que foi dito, certamente está claro que não fora eu a cometer essa atrocidade.
Em algum lugar no tempo e no espaço, cuidando de seu aquário, algum tipo nulo deixou de alimentar os peixes para mudar de hábito, e viu alegremente a peste do canibalismo virar cada uma das pedrinhas. Os erros, já sabemos, são um pedaço de morte que comemos no jantar. O seu suicídio ritual foi comemorado com fogo e pétalas.

quarta-feira, outubro 11, 2006

só sei que não há uma nuvem de certo a nos envolver.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Algo como um

Voltamos então para casa. Fizemos algumas piadas. Era claro que estávamos cansados. Deitei-me no sofá. Trouxeram um banquete. Não tive fome, mas os outros comeram tudo.

Imaginem uma casa, na qual vive uma pessoa, mais algumas outras. Agora imaginem essa casa sem essa pessoa. Sem tufões, sem terremotos, só uma ausência. No escuro, quando acordam, tateando em busca da luz, já se surpreenderam ao não tropeçar em um móvel que não está mais lá? Já caíram ao tentar se apoiar numa mesa que havia sido tirada no dia anterior? Nem essa sensação tivemos. Comemos apenas.

Na verdade, tudo se reduz a um ajuste de hábitos. Quando você entrava, você o cumprimentava. Bem. Tudo agora se reduz, e isso é a real aceitação da morte, a não cumprimentar mais. Claro que não é imediato. Você, após um dia duro de trabalho, terá vontade de chegar em casa e falar em futebol. Antes de lembrar-se (a morte é uma memória do fim), você dirá oi a um vazio, a um nada. Olhar sem sujeito, interlocutor vazio. Uma hora passa.

Claro, todo remédio tem a sua cura. No fundo, toda doença é uma mania. Somos obstinados por algo que, sabemos, não tem nenhuma importância. Ter alguém para dizer boa noite, não ter, é indiferente.

Logo, não há choro que não seja falso. Choramos pensando no que vamos jantar amanhã. Choramos porque no juízo final, não queremos que deus ponha um dedo gordo na nossa cara e diga "Não choraste por teu pai."

Felizes são os cachorros, que só lembram de nós quando chegamos em casa. É deles o afeto verdadeiro. Me reservo o direito de esquecer meu pai.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Não tenho vida lateral.

Conheci muita gente nova, e talvez fosse melhor não ter conhecido... O que importa, no fundo, não é o que vamos viver, mas o que já vivemos. Ora, sabemos bem que o nunca mais é um buraco fundo no real.

Dizem que a morte é pior para quem fica do que para quem vai. Truco. Isso é o consolo que nossas tias nos dão. Não existe consolo que seja real, não existe salvação que não seja fictícia.

Não o cadáver pintado, acertado, de olhos fechados. Você já viu um cadáver cru? Sem rosto, você já viu um olhar sem sujeito? O que ele era? Fosse canalha, fosse santo, ali não tinha deus.


Encerro aqui. Tento dizer há anos, o que não consigo. Tento dizer a morte. Intenção natimorta.

Virei casca de sensações.